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25 de Abril de 2024

TRF da 3ª Região decide que OAB não pode suspender advogado por falta de pagamento de anuidade

A decisão, brilhantemente, rechaça a tese: "se não pagar a anuidade, não pode trabalhar".

Em decisão monocrática, o desembargador Federal Johonsom Di Salvo, do TRF da 3ª região, negou provimento à apelação interposta pela OAB/SP e manteve a sentença, no sentido de “determinar à OAB/SP que proceda imediatamente ao recadastramento da requerente nos quadros da OAB, com a sua liberação para o exercício do trabalho, independente da quitação dos débitos que tenha como conselho profissional”.

Vamos entender o caso

A ação ordinária foi ajuizada pela advogada RITA DE CASSIA PAIVA DE SÁ GOIABEIRA, em face da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO objetivando obter provimento jurisdicional que determinasse o restabelecimento de seu direito ao exercício profissional, bem como a retirasse seu nome da lista de Advogados Suspensos.

A advogada alegou que, em razão de ser devedora de anuidades da OAB referentes ao ano de 2011, a entidade lhe aplicou a penalidade disciplinar de suspensão do exercício profissional, pelo prazo de trinta dias, prorrogável até o efetivo pagamento. Frisou que a penalidade viola o direito ao livre exercício da profissão.

Em primeiro grau, a tutela de urgência foi deferida para:

“determinar à OAB/SP que proceda imediatamente ao recadastramento da requerente nos quadros da OAB, com a sua liberação para o exercício do trabalho, independente da quitação dos débitos que tenha como conselho profissional”(ID nº 90459390).

Em 10/05/2019, foi prolatada a sentença julgando procedente o pedido:

"para que a ré efetue o recadastramento da autora nos quadros da OAB, com sua liberação para o exercício do trabalho, independentemente da quitação dos débitos que tenha como conselho profissional”. Condenou a ré ao pagamento de honorários advocatícios fixados sobre o valor atribuído à causa, nos percentuais mínimos do art. 85, § 3º, do CPC (ID nº 90459413).

Irresignada, a OAB/SP interpôs apelação sustentando, em síntese, que:

(i) a apelada foi intimada de todos os atos do processo disciplinar e o acordo foi por ela descumprido; e (ii) a suspensão do exercício profissional pela falta de pagamento das contribuições encontra amparo nos arts. 34, XXIII, 37, I, e 48, §§ 1º e 2º, da Leinº 8.906/94 e não caracteriza ofensa à Constituição Federal(ID nº 90459419).

O Julgamento

O relator, desembargador Federal Johonsom Di Salvo, do TRF da 3ª região ao julgar o caso explicitou que:

O Regulamento Geraldo Estatuto da Advocacia e da OAB, aprovado pelo Conselho Federal com base nos artigos 54 e 78, da Leinº 8.906/94, em seu artigo 55, caput, dispõe que aos inscritos na OAB incumbe o pagamento das anuidades, contribuições, multas e preços de serviços fixados pelo conselho seccional.
Mas o inciso XIII do artigo da Constituição Federal estatui que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que sejam atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Sucede que entre as “qualificações profissionais” não se encontra o adimplemento das anuidades devidas ao órgão de classe.
Não há dúvida de que a imposição de restrições ao exercício de atividades profissionais é forma indireta de obter o pagamento de dívida (que, para mim, continua sendo de natureza tributária já que se amolda à perfeição ao art. do CTN), o que viola a garantia constitucional antes mencionada, mesmo porque a entidade fiscalizadora é dotada de meios próprios para cobrar o débito, nos termos do parágrafo único do artigo 46 da Lei nº 8.906/94.
Indo além, a suspensão da atividade profissional por dívida para com entidade de classe atenta contra os direitos humanos, já que impede o profissional de obter o próprio sustento e o da família noutro dizer: se não paga, não pode trabalhar e, por consequência, não vai subsistir.
A esdrúxula proibição de trabalhar fere a dignidade da pessoa humana (inc. III, art. , CF); é uma providência que, para fins de satisfazer um credor, impede o homem e a mulher de trabalhar, inclusive para manter a família, entidade que merece especial proteção do Estado (art. 226, CF), não podendo deixar de destacar que a OAB, considerada por alguns como"autarquia especial", se insere num conceito amplo de Estado.
Alias, custa crer que sendo o advogado essencial à administração da Justiça (art. 133, CF), seja possível impedi-lo de trabalhar por conta de dívida de valor.
Face ao texto constitucional, não há qualquer justificativa para que se impeça um ser humano graduado em Direito e inscrito originariamente no seu órgão de classe, de trabalhar, de ganhar a subsistência como fruto do seu labor. Outra coisa, diferente, é cobrar dessa pessoa, enquanto devedora, aquilo que deixou de pagar a entidade a que pertence; para isso existe mos meios processuais postos à disposição do credor (a execução cívelo ua fiscal, conforme se entenda que a anuidade é ou não é um tributo, pois nem essa questão está bem definida).

O relator acrescentou que:

A providência aqui tratada é perversa, pois a suspensão do exercício profissional– em situação que nada tema ver coma qualificação moral ou intelectual no desempenho da advocacia - não faz nenhum sentido quando subtrai justamente os meios que o advogado inadimplente tem para obter recursos para não apenas adimplir sua dívida, mas para subsistir materialmente.

E arrematou:

A matéria é constitucional e este Relator, à vista do posicionamento firme que o STF tem há décadas contra o uso de providências iníquas – mesmo que legais – para cobrança de dívidas, não tem dúvidas de que o apelo da OAB, manifestamente improcedente, é contrário a jurisprudência sumulada e múltiplas vezes reiterada, do STF, e que a sentença se alinha coma Constituição Federal.

Indevida, portanto, a suspensão do exercício profissional da advocacia até que o devedor quite seu débito de anuidades com o Conselho Seccional. A suspensão da atividade profissional por dívida com entidade de classe atenta contra os direitos humanos, pois impede o profissional de obter o seu sustento e de sua família.

No voto, o relator apresentou jurisprudência do STF no sentido de que"o livre exercício de atividades profissionais e econômicas lícitas, assegurado nos artigos 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Diploma Maior atual, não pode sofrer restrições desarrazoadas por parte do legislador, mesmo para o fim de satisfazer tributos, admitida a cobrança tão somente por meio consentâneo com o devido processo legal” (RE 565.048/RS, de 29/05/2014).

"Se o idêntico tema foi tratado pelo STF em favor de uma pessoa jurídica contribuinte de tributos – impedindo a sua paralisação empresarial – é de clareza solar que o mesmo entendimento deve ser aplicado quando, no regime democrático de direito em que se insere a própria OAB, uma pessoa física seja proibida de trabalhar enquanto não pagar uma dívida pecuniária, seja civil ou tributária, pouco importa."

Por fim, Johonsom Di Salvo declarou que não pode o sistema judiciário impedir o uso de meios arbitrários e excessivos nas cobranças de tributos devidos por empresas e tolerar os mesmos meios em desfavor de profissionais liberais em relação a suas dívidas para com órgão de classe.

"A providência aqui tratada é perversa, pois a suspensão do exercício profissional – em situação que nada tem a ver com a qualificação moral ou intelectual no desempenho da advocacia - não faz nenhum sentido quando subtrai justamente os meios que o advogado inadimplente tem para obter recursos para não apenas adimplir sua dívida, mas para subsistir materialmente."

    Veja a íntegra da decisão do Processo: 5016939-51.2018.4.03.6100


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